São 13 as canções de "Rua dos amores", 21º álbum da carreira de Djavan, o primeiro de inéditas em cinco anos. Todas conduzidas por sensações ligadas ao amor. Ou quase todas.
"Tem um apêndice, uma música para sair um pouco desse assunto, que é 'Pode esquecer'. Uma espécie de sátira política que tentei fazer", revela ao G1 o cantor alagoano, em referência ao julgamento da ação penal 470, que reúne os 38 réus do caso do mensalão, em curso há quase um mês.
Com quase 40 anos de carreira e mais de 20 discos gravados, não seria exagero considerá-lo um dos compositores mais influentes de sua geração. Sua obra não sai das rádios, das rodinhas de violão, do repertório dos artistas da noite. Entranhada no estilo de outros artistas, é quase que um gênero à parte dentro da MPB.
"Acho isso um privilégio. Isso determina, independentemente da minha vontade, que sou uma matriz. E isso não é ruim. Se consigo influenciar as pessoas a ponto de elas terem interesse em tentar repetir o que faço, acho que é uma coisa a se louvar, e não algo digno de crítica", sentencia o cantor, que entra em turnê com o novo trabalho em novembro.
G1 — "Rua dos amores" parece reflexivo, tanto nas levadas quanto nas letras...
Djavan — É um disco que tem uma rítmica variada, como sempre. E tem uma história interligando várias sensações: corações cansados, insegurança, amores na adolescência e na maturidade. O amor é exatamente o fio condutor. E tem um apêndice, uma música para sair um pouco desse assunto, que é “Pode esquecer”. Uma espécie de sátira política que tentei fazer, e que vai se transformar a pouco numa premonição, com o andar da carruagem do Supremo (Tribunal Federal).
G1 — Tem acompanhado o julgamento do mensalão? O que tem achado?
Djavan — Acho que o evento conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) talvez seja um dos mais importantes para a recente história política do Brasil. Porque somos um país em evolução, e cada vez mais em evidência: tem economia e democracia sólidas, por ser o líder de uma região bastante interessante e promissora, que é a América Latina. E o julgamento do mensalão, que está sendo tocado pelo Supremo é importantíssimo. E essa importância nem decorre muito do fato de quem vai ser preso, de quem vai ser punido. O evento em si, aos olhos do mundo, ratifica a democracia brasileira numa região que não é pródiga em democracia, que é a América Latina. E o Brasil está dando, neste momento, quando o mundo está de olho na gente, um exemplo de cidadania, de democracia que ombreia com os países civilizados do mundo. E essa canção eu fiz nem pensando no mensalão, porque ela foi composta há quatro meses. Mas comecei escrevendo a seguinte frase: “Na nova ordem geral de um novo comando a abstinência moral é crime hediondo”. Isso é uma coisa que vem exatamente ao encontro dessa movimentação toda. O que eu acho importante é exatamente termos um Superior Tribunal Federal independente, agindo numa democracia plena. Para mim, isso é o mais importante.
G1 — Na arte do disco, você junta fotos antigas pessoais e de momentos da sua carreira. Algum motivo especial para esta escolha?
Djavan — Isso foi ideia da Mariana Ochs, que é a designer. Achei interessante, pois chama a atenção para os fãs, que vão manusear o disco. E foi bom porque, com aquelas fotos, fiz uma viagem na minha trajetória desde a época em que jogava futebol, ainda menino, com 11 anos de idade. Em outra apareço bem pequeno, com meus três primos. Eu tinha acabado de tomar óleo de rícino, que é um purgante que se dá às crianças no Nordeste para limpar o organismo. E a “paga” para isso era tirar uma fotografia depois. Eu só tomava o purgante se fosse fotografado depois (risos). Então foi legal ver aquelas fotos reunidas, daquelas fases todas.
G1 — Você arranjou, produziu, compôs, tocou, cantou e escreveu as letras deste novo álbum. Quais são as vantagens e desvantagens de ser responsável por todos os processos de produção de um disco?
Djavan — A vantagem e a razão primordial disso acontecer é mostrar a música de maneira íntegra, pois minha música tem um cunho pessoal muito acentuado. E me livrar também de certas "saias justas”. Já aconteceu de eu pedir a talentosíssimos amigos arranjadores para fazer arranjo de uma música ou outra. Eram maravilhosos, porém inadequados para a atmosfera da canção. Como dizer isso? Como dizer “não”? Como não gravar? Aconteceu de eu gravar algumas vezes contra a minha vontade. E, em outras vezes, realmente ter que dizer “não”. A outra é que a função do produtor é especificamente importante, porque ele direciona o trabalho no final. Por exemplo: a mixagem é o momento do disco em que você determina que disco vai ser. E é o produtor quem dá essa diretriz. Você já imaginou como será se um produtor disser como vai ser meu disco, à minha revelia (risos)? Não posso imaginar uma coisa dessas.
G1 — Você tem medo de se repetir?
Djavan — Todo mundo tem. Quem tem carreiras imensas teme isso. Ao mesmo tempo, não chega exatamente a ser uma preocupação. Minha música é baseada numa diversificação. Sempre foi assim. E, por ser uma música muito pessoal, ela já tem um nível de independência acentuado. De modo que essa preocupação não é tão grande. Porque, de todo modo, persigo brutalmente a novidade. Não para não me repetir, e sim porque é a novidade que me faz feliz, que me alegra, que me traz exatamente aquela sensação de que estou trazendo uma informação nova, algum frescor. Tenho vários elementos para praticar isso: a melodia, a letra, a harmonia, o arranjo e a própria atmosfera do disco. Você quer ter, pelo menos, a ilusão de que essa repetição não se dará.
G1 — De alguma forma, "Ária" (álbum lançado por Djavan em 2010, apenas com regravações) influenciou o processo criativo destas novas composições?
Djavan — O que influenciou mais foi o caminho que percorri para chegar ao repertório de “Ária”: entrar novamente em contato com cancioneiro brasileiro. Isso foi de uma riqueza incomensurável. Reativou minha memória musical. Mas reouvir tudo isso agora foi reenergizador, digamos assim. Trouxe provavelmente alguma influência dessa audição recente para este disco novo.
G1 — Você ainda tem fôlego para viagens e longas turnês?
Djavan — Vamos ver (risos). Quanto à questão do fôlego físico, não há problema. Estou bem. Tudo normal. Falo mais sobre impetuosidade, desejo, gana para fazer. A única coisa que estou pedindo para quem está formatando minha agenda é para que eu não faça frequentemente mais do que dois shows por semana. Porque eu não quero que aquilo perca e graça. Porque aí o cansaço aparece. Enquanto tem graça, enquanto você está ali, curtindo, não tem cansaço. Ele só aparece quando a curtição vai embora.
G1 — Assim como Chico Buarque e Marisa Monte, você tem usado a internet como ferramenta de divulgação do novo disco. O que tem achado da experiência?
Djavan — A internet é um instrumento inominável para você veicular as coisas. Não só música, mas qualquer outro tipo de veiculação. A internet torna isso possível de maneira imediata e muito prática, muito tranquila. E eu estou usando a internet como ela tem que ser usada. A internet deu uma independência bem importante aos artistas. Antigamente tudo ficava concentrado na mídia tradicional. Mas isso se diluiu e tornou possível, para qualquer pessoa, divulgar seu trabalho. É democrático, atual e praticamente gratuito, digamos assim. Todas essas vantagens fazem com que essa veiculação seja aferida por todo mundo.
G1 — O público passou a registrar shows com celulares e publicá-los em sites como o YouTube. Você acha válida esse tipo de iniciativa dos fãs? E isso pode compormeter a produção de DVDs e outros produtos audiovisuais?
Djavan — Este é o outro lado da moeda. Como eu disse, a internet é um lugar totalmente democrático. Do mesmo modo que você pode usar a internet como um instrumento de divulgação, de expansão das ideias, você também tem a possibilidade de ser invadido de uma maneira incorrigível. Não há como conter isso. Mas acho que a gente se adapta a tudo. A internet está começando ser usada, estão aprendendo a mexer neste veículo, neste instrumento. Mas isso não inviabiliza o lançamento de produtos que já existiriam sem a internet. O que você tem que fazer? Dar às pessoas que têm esse poder de filmar tudo com o celular uma qualidade melhor, que é o DVD trabalhado, com qualidade e sonorização que elas não serão capazes de captar. Ainda não há uma legislação que possa garantir ao indivíduo os direitos que lhes pertencem. O que você tem que fazer? Ir se adaptando até que essa legislação seja possível para compositores, produtores. Eles estão um pouco à mercê dessa terra de ninguém que é a internet. Mas trata-se de um veículo revolucionário. Ainda estamos aprendendo a lidar com ele. Faz parte do jogo.
G1 — O termo "novo Djavan" tem sido usado com frequência para definir novos artistas com a sua sonoridade. Você se acha um artista muito imitado?
Djavan — Todo o artista que tem um trabalho pessoal desperta uma gama variada de sensações, que vão desde a imitação à total busca pela essência daquele trabalho. A música que proponho baseia-se numa formação bem diversificada, bem distinta. O que faço advém exatamente da diversidade, que é o que mais me encanta na música, assim como na arte de um modo geral. O que faço é pessoal e provavelmente intransferível, como tudo o que tem uma origem específica. Desperta o desejo e o desafio de uma repetição através de outros focos, de outras visões. Minha música é muito usada na noite, nos bares, nos restaurantes, nas boates etc. Acho isso um privilégio. Gosto muito disso. Tem pessoas que acham que isso não é bom. Eu acho ótimo. Isso determina, independentemente da minha vontade, que eu sou uma matriz. E isso não é ruim. Se consigo influenciar as pessoas a ponto de elas terem interesse em tentar repetir o que eu faço, acho que é uma coisa a se louvar, e não algo digno de crítica. E, principalmente: isso não me afeta nem me desconfortabiliza. De modo algum.